A grande pergunta que fazemos, quando iniciamos o estudo da filosofia como ciência é: "toda ciência tem a sua origem, qual a origem da filosofia?" A filosofia vem surgir da ruptura sobre os antigos mitos gregos. Esse desligamento não se deu de forma radical, de maneira gradual. Visto isto, emergem dúvidas, tais quais: "do que se tratava o mito?" e "para quê servia o mito?" Inobstante, o mito é a narrativa sobre a origem de alguma coisa - Os astros, os deuses, a alegria, a tristeza etc - os quais eram tidos como reais. Essas estórias eram narradas por poetas para um grupo de ouvintes que as recebiam como sendo verdadeira. Os gregos acreditavam muito na autoridade e confiabilidade da pessoa do narrador. Hoje, você diria que eram mentiras, contudo, plasme, imagine em épocas pretéritas, quando criança e seus avós lhe diziam: "não saia a rua, pois existe o bicho papão e vai comer você." Você, criança, acreditava nessas, fantásticas, estórias. Mesmo que a interrogasse que viu o bicho papão lhe diria que foi o filho da vizinha da prima tal que aconteceu isso, assim a estória teria a autoridade e fundamentos necessários para ser, realmente, autêntica. Desta forma, o mito é incontestável e inquestionável.
São três formas, principais, utilizadas pelo mito para narrar a origem do mundo e de tudo o que nele existe, vejamos: 1) Encontrar o pai e a mãe das coisas e dos seres, desta feita, trago à tona, observando que as pessoas apaixonadas estão sempre cheias de ansiedade e de plenitude, inventam mil expedientes para estar com a pessoa amada ou para seduzi-la e também serem amadas, o mito narra a origem do amor, isto é, o nascimento do deus Eros, exemplo extraído do Banquete 203a, de Platão: "Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência, Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou na porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar - pois o vinho ainda não havia - penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o Amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gerado em seu natalício, ao mesmo tempo que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e no mesmo dia ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece o Amor nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis com efeito o que se dá"; 2) Rivalidade ou uma aliança entre os deuses faz surgir alguma coisa no mundo. Nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre forças divinas ou uma aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens, exemplo, o poeta Homero, na Ilíada, epopeia que narra a guerra de Tróia, este guerra, causada pela rivalidade entre as deuses; 3) Recompensas ou castigos que os deuses dão a quem lhes obedece ou a quem lhes desobedece. Exemplo: Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas que nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males do mundo.
Assim, quais são as diferenças entre filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais importantes: 1) O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado imemorial, longínquo e fabuloso. A filosofia, ao contrário, preocupa-se em explicar como e por que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são como são; 2) O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas sobrenaturais e personalizadas, enquanto a filosofia, ao contrário, explica a produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais; 3) O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível. A filosofia, ao contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja coerente, lógica e racional.
MITO E FILOSOFIA
Humberto Zanardo Petrelli, com Adaptações.